Covid-19. Severidade dos sintomas relacionada com a carga viral
A quantidade de vírus a que uma pessoa se expôs e com que fica no corpo podem ser factores determinantes, explica uma cientista de Yale, nos EUA
LUÍS M. FARIA
Aseveridade dos sintomas de um doente com coronavírus pode estar relacionada com a carga viral que ele apresenta. Esta conclusão extrai-se de dois estudos recentemente publicados no The Lancet, uma revista científica de referência.
Carga viral é a quantidade de vírus que o doente transporta. Distingue-se do inóculo viral, ou dose infecciosa, que é aquilo que provoca a infeção. Recentemente haviam surgido dois estudos, um efetuado na China e outro em Itália, que pareciam sugerir uma conclusão oposta – ou seja, que a carga viral de um doente não tinha relação com a gravidade dos sintomas. No entanto, os estudos não eram totalmente líquidos quanto a isso, e de qualquer modo não foram ‘peer-reviewed’ (revistos pelos pares, o método tradicional de validação dos trabalhos científicos antes da publicação), ao contrário do que aconteceu com os estudos da Lancet, conforme lembra Ellen Foxman, professor de imunobiologia da Escola de Medicina de Yale, à revista New Scientist.
Faz sentido haver relação entre o nível dos sintomas e a quantidade do vírus no seu organismo, afirma Foxman, devido à forma como o vírus provoca a doença. “Normalmente, só alguns vírus entram no nosso corpo, mas então tem de fazer cópias de si mesmo. É o processo de tomarem conta das células e se replicarem que leva à doença. Se não se replicarem muito, em geral não causam muita doença”.
Em cada caso há outros fatores em jogo, naturalmente. Afinal, uma doença é um processo que pode ser bastante longo e com estágios variáveis. Os estudos do Lancet acompanharam os doentes durante algum tempo, colhendo amostras no nariz e na garganta que foram medindo. No final, e em termos gerais, diz Foxman, “se há mais vírus, isso correlaciona-se com mais sintomas e doença mais severa”.
Uma questão de probabilidades
Extrapolando para a transmissão entre pessoas – e portanto, para a dose infecciosa propriamente dita – Foxman reconhece não conhecer ainda estudos sobre o assunto, mas também parece lógico que seja assim. Fazendo uma comparação, diz: “Se há um vírus numa maçaneta, é muito menos provável ficarmos doentes ao tocá-la do que se houver lá mil vírus”.
“A quantidade de vírus a que ficamos expostos pode fazer a diferença para esse vírus entrar no nosso canal respiratório e se replicar”, explica. “Se não formos expostos a vírus nenhuns, obviamente, não vamos ficar doentes. Se formos expostos a uma pequena partícula viral, provavelmente temos uma chance muito menor de ficarmos doentes do que se passarmos oito horas num avião ao lado de alguém que está a tossir”.
Os estudos têm implicações a vários níveis. Se o vírus estiver presente no nariz e na boca mas os mecanismos imunitários locais puderem combatê-lo (Foxman admite que ainda por enquanto não há maneira de aumentar esse efeito, mas poderá haver no futuro), evitando que se multiplique muito e desça até aos pulmões, a doença resultante provavelmente será muito menos severa.
Isto admitindo que o SARS-Cov2 se comporta como outros coronavírus que têm gerado epidemias em décadas recentes, como o SARS e o MERS, ou mesmo a gripe.
Fonte: EXPRESSO.PT